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Aviso

O autor adverte que o conteúdo dos textos a seguir pode ser de origem real, imaginária ou onírica. Logo, em se tratando de semelhanças com o cotidiano, os mesmos podem distorcê-lo em intensidade e veracidade dos fatos.

quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Figura musical

Se eu cantasse uma canção
Mesmo que breve
Ela semilembraria você.
Um tom incompleto
Num arranjo indiscreto
Arpejado
Nota a nota aumentando
Pouco a pouco se sforzando
E você sem dar a mínima notação.
No meu rosto, uma melodia allegre
Intensa e com afeto.
No seu, uma figura com fusa
Descompassada
Que reclamava do meu pulso acelerado.
Como explicar que aquele seu sustenido
Acidentado e repetido
Se tornara um bemol?
Sem dó nem piedade
De uma linha para a outra
Vi sua clave de sol se enublar
O som diminuer
A minha voz tremolar.
E si for algo passageiro
E ainda existir amor na tua pausa?
E si não for nada grave
E o tempo lembrar que a gente se faz bend mais?
Volte, mas volte ligeiro
Enquanto há vibrato em meu peito
Antes que o meu coração acorde
Novamente
Fortissimo
E já seja tarde demais.

Caio Sereno.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Como uma tempestade

Nuvem negra, asfalto molhado, cisco no olho.
Nem as folhas dançando com o vento
Ou o céu amedrontado por cada trovão,
Nada compunha o teu prenúncio
Naquela tarde de domingo azul.
Sorrateira, percebi a luz encobrir-se de ti
Pouco a pouco
E jurei ser apenas o início de mais uma noite,
O espetáculo diário da nossa rotação,
E me arrepiei da cabeça aos pés de excitação.
Quando eu te vi pela primeira vez,
Não soube, de imediato, decifrar o teu jeito
Enevoado e melancólico,
Como quem leva consigo um rio
E chora para não transbordar.
Eu só me aproveitava do teu aconchego regado
E tomava banho de chuva
Sem medo de me resfriar.
Nos teus ventos, virava meu guarda-chuva do avesso
Percebendo que eu havia me virado também
E sutil e simplesmente
Descobrir ser esse o meu melhor lado.
Apreciava as luzes da cidade se apagando
Como se o teu canto rouco
Melódico e estrondoso
Fosse um canto só para mim.
Como uma tempestade,
De repente,
Não mais que de repente,
Você desapareceu.
Debruço-me na janela adorando o orvalho,
Que é um lembrete de que você passou por lá
Tão brevemente, mas que se fez presente
Com teu cheiro molhado a se dispersar.
Ando acordando meio tristonho
Ao perceber a claridade lá fora se perpetuando
Sem saber se essa dor que eu carrego no peito,
Que esquenta e não resseca,
Que só aumenta e nunca cessa,
É saudade ou pneumonia.

Caio Sereno.