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Aviso

O autor adverte que o conteúdo dos textos a seguir pode ser de origem real, imaginária ou onírica. Logo, em se tratando de semelhanças com o cotidiano, os mesmos podem distorcê-lo em intensidade e veracidade dos fatos.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A garota do mês de dezembro


Ela me veio com um sorriso amarelo,
Típico de quem nasceu com o verão.
Todo o seu resplendor era disfarçado,
E fazendo-se de cínica e dissimulada
Ela eclipsava toda a sua vastidão.
A sua pele suave, vermelha de urucum,
Tinha cheiro de maresia
E presença de ventania.
Por mais que ela se enublasse,
Com ela o mundo se aquecia.
A garota do mês de dezembro era suicida,
Para ela a vida se acabaria
Na primeira gota a precipitar.
E nessa extrema credulidade,
Ela fazia contagens regressivas,
Baseando-se na prerrogativa
De que o amanhã se perderia no ar.
Não é sua culpa essa mente atrasada,
Logo ela, que já nasceu adiantada,
Perdendo uma hora de respiração.
Hoje, ela reclama da temperatura,
Afirma que o dia muito perdura
E que as sombras não dão mais vazão.
E eu já abrasado, escuto o apelo interno
Desse meu coração de inverno,
Que nunca sabe se neva ou não,
Mas que agora afirma com tanta certeza
Que, ao ver-te, sabe que a sua natureza
É permanecer eternamente na tua estação.

Caio Sereno

sábado, 8 de dezembro de 2012

No dia de minha morte

No dia de minha morte, eu verei o teu olhar oblíquo
Num pensamento longíquo, que em mim pouco restou.
Durante o café-da-manhã, encontrarei o teu lugar vazio
E uma xícara de café frio com a marca de batom que ficou.

domingo, 11 de novembro de 2012

O gato preto – Parte II

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      A aurora recém-chegada já dava outros tons à sobriedade constante da pequena cidade de Vórsea. O horizonte pouco a pouco era rasgado pelos impiedosos raios solares, que invadiam as casas, e na ausência de uma sutileza intrínseca, despertavam todos os habitantes adormecidos. O canto dos pássaros ganhava amplitudes dignas de uma ópera e cruzava os cômodos ocos, abafando até o som compassado dos automóveis e das carroças. Já se ouvia os risos das crianças brincando de pique-esconde, os cumprimentos habituais entre vizinhos que pouco se falavam, o barulho das obras da nova estrada que se liga à capital e os vendedores ambulantes a vender vassouras e panelas. Eu já conseguia distinguir aquela sinfonia e formular em minha cabeça todo aquele panorama matinal. Pouco a pouco, meu corpo dengoso cansava-se daquela inércia e enviava sinais nervosos arrastados à todas as minhas articulações. Com gestos suaves, meus braços e pernas esticavam-se ao nada, como se estivessem digladiando com seres invisíveis, que não sangravam ou gritavam aos meus ouvidos. Sentei-me sobre a cama, e como um bêbado, cambaleei em passos tortos em direção à janela. As cortinas, quentes e esvoaçantes, dançavam nos contornos do meu rosto enquanto eu tomava coragem para enfrentar o lume que vinha de fora. Ao arrastar aqueles pedaços de pano, fui torturado pelo clarão do dia já posto, que ofuscou meus olhos por alguns segundos. Recuperada a visão, enxerguei uma nova Vórsea surgir diante os meus olhos, diferente da cidade fantasma  que eu havia contemplado semanas atrás, após o meu encontro com o gato preto.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Criança medrosa


Da melodia que rasga teus ouvidos, ó criança medrosa,
Não preste atenção às notas impiedosas.
Notas tão sarcásticas e julgadoras.
Notas essas que ressoam aos demais e difundem uma inquietação.
Falarão de ti, ó criança medrosa, e terás que ser forte.
Só assim crescerás a ponto de ocupar teu espaço no mundo.
Até lá, finca teus pés nos teus sonhos, no teu interior.
Faz dos teus pensamentos a verdade mais absoluta de todas.
Como consequência, criança medrosa, compreenderão a tua ingenuidade,
Que é mais um misto de bondade com um pouco de eterno,
E verão que por trás da tua face, tão desgastada pelo teu sofrimento tardio,
Há um ser que é feliz, sem grandes causas, meios e fins.
E que não vive à custa do desgosto alheio e da tristeza muda.
Vive pelo dom que lhe foi concedido.
O dom de transbordar a graça.
A vontade de se alimentar do riso.
A necessidade de instigar a alegria.
Ao final do dia, criança medrosa, não temerás mais aos outros.
Nem ao menos temerás a ti mesmo.
Porque não haverá mais conflito.
Muito menos esse teu coração aflito, doido para se refugiar.
E uma nova trilha sonora acompanhará os teus dias.
Dessa vez, o canto acalmará a tua alma.
As notas irão confortar os teus segundos.
E assim, pelo resto dos teus dias, criança, viverás em paz.
Em paz para viver.
Viver o que bem quiser e entender.

Caio Sereno.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O ano em que a primavera não terminou


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Quando chegou o inverno,
A cigarra morreu, o dia feneceu
E o povo hibernou.
Quando chegou o inverno,
A flor se desprendeu, o céu se escondeu
E a esperança cochilou.

domingo, 30 de setembro de 2012

Portão C

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      Aquela voz aguda e pontual ecoava por todos os cantos do aeroporto. Crianças correndo por entre as filas de embarque, mulheres gritando júrias de abandono aos maridos e homens exaltados com a plena incapacidade das atendentes, nada parecia interferir na calma e placidez da criatura onipresente daquele aeroporto. Nem mesmo os avisos de voos sendo adiados e cancelados, a tempestade que se aproximava e os loucos que circularam pelas longas pistas demarcadas com tinta branca, nada alterava o tom de normalidade que perpetuava na sua oratória. A mulher que discursava nos alto-falantes devia estar com os olhos vendados e ouvidos tapados, pois a balbúrdia que se instalava era indiferente ao tom das suas palavras. Porém não a mim.

domingo, 9 de setembro de 2012

Quando você

Quando você descobrir, meu bem,
Terei somente tua frieza e teu desdém.
Acharás que sou louco por amar-te assim,
Tão sereno e calado, mas no fundo afim.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O gato preto – Parte I

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      O céu transparecia a solidão que se via nas estreitas ruas da pequena cidade de Vórsea. As poucas estrelas que perduravam acesas naquele alto painel sombrio não conseguiam abrilhantar as frias noites de fim de outono, tão monótonas e vazias. Ainda se via espalhado pelo chão o que havia sobrado do festival que ocupou a cidade durante seis dias. Calçadas quase que pintadas de serpentina, apitos perdidos no fundo dos bueiros, adereços quebrados que lotavam as lixeiras públicas e um cheiro azedo de vinho mofado empestiava o entorno por onde as alegorias há pouco haviam passado. Quem por ali mais cedo contemplou o puro magnetismo das formas majestosas dos carros gigantes, não reconhecia que transitava pelo mesmo lugar. De tão colorido e fascinante, agora as ruas de Vórsea repousavam na monocromia da escuridão, em pleno silêncio desértico. Todos pareciam estar hibernando em suas casas, fugindo dos perigos que a vida noturna poderia lhes trazer. Somente os ventos gelados e as lâmpadas de querosene é que ainda continuavam dando movimento àquela pacata cidade. Nem mais se viam os moradores de rua escondidos nos becos, os cães em bandos à procura de comida, os ébrios exaltados, ora tristes e ora alegres, nada. Se um dia já pensaram no cenário do fim de nossa espécie, aquela paisagem que eu observava da minha janela seria o mais fiel para retratá-lo.

terça-feira, 31 de julho de 2012

O que me restou

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E teimo, martelo, reviro do avesso,
Tento encontrar um resto de brasa
Que antes havia por aquela casa
E que hoje parece não ter endereço.

terça-feira, 10 de julho de 2012

O triste fim de um louco


Vozes sussurram imperativos
"Tu és louco e sempre serás louco!"
Não há espaço para mentes
"Tu és demente e sempre serás demente!"
Veja a injustiça dos homens, tão bravos,
Escondem-se na sua ignorância
E a sua intolerância rasga mundos inteiros
Pois mundos desfeitos
Não fazem uma revolução.

domingo, 1 de julho de 2012

Tua pipa


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      Lá do alto o vento batia forte em meu rosto, mas eu não me importava com a sua arrogância. Naqueles instantes em que eu flutuava sobre o céu anil eu me sentia dispersa no ar, corajosa em meus giros, confiante em minhas cores e serena por estar presa à tua mão. Teus gestos, tão suaves e amenos queriam sempre mostrar o meu melhor. Tu me colocavas em um pedestal e me expunha à todos os transeuntes “Olhem e percebam quão esbelta e formosa é a minha pipa!”. A minha alegria tocava o infinito quando me elogiavas assim. E eu podia ver em teus olhos, tão claros e desbotados pela luz do Sol, que eles brilhavam. E como brilhavam ao sorriso meu! Brincávamos dia após dia, sem cansar, sem que a tua mão se afrouxasse, que a nossa linha se cortasse, sem que o céu voltasse à sua triste monotonia.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Nós dois


Depois de ver tudo tão plano,
Nós nos desmoronando,
Enterrando o após.
Parti para achar meu acaso,
Despertar o atraso
Desse tempo em vão.
Quero que você seja feliz,
Hei de ser feliz, porém

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Como se fosse a próxima

Estradas só terminam em ruas sem saída,
Nelas, meu bem, o amor hão de atropelar,
Pois não é na eternidade que se vive a vida.
Um dia a nossa escolha irá nos vitimar.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Tempos de guerra

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Fica no mundo, soldado imaturo,
Não fuja em meio a tal turbilhão.
A noite clareia num céu tão escuro,
Não sentes as bombas que tremem teu chão?

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Sem fim

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Que belo é o sopro do qual te libertas,
Preenche a secura do povo descrente.
Poeta, teu canto invade minha mente
E faz-me enxergar que a beleza por trás

domingo, 6 de maio de 2012

Fim de feira

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Vês o meu corpo disforme no chão?
De tão colorido, suave e deleitante
Hoje padeço neste chão repugnante
Sem saber porque não servi à refeição.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Tempos de crise

Ando querendo fugir desse mundo
Por desconhecer tuas vãs vaidades,
Indagando a existência da felicidade
E de tudo que um dia eu achei poder ter.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Medo maior

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Poucos sabiam o que ali ocorria de fato
Pois nunca se acreditou em final infeliz.
Correr com as próprias pernas e andar descalço,
Desconhecer o chão e se perder nos passos,
Ser de uma hora para a outra dono do meu nariz.
Agora a vida me expulsava da escola,
Sem nunca eu ter deixado de ser aprendiz.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Rosa minha

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Eu ouvia um sopro da terra arraigada
Quando aos ouvidos sussurrava sozinha
Que aquela flor formosa e perfumada
Haveria de ser minha rosa, a rosa minha.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

A falta que ela me faz

Há quem julgue minha melancolia,
Há quem diga que o tempo é fugaz.
Mas nenhuma palavra trará calmaria
À falta que ela me faz.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O mundo é um ninho

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Está tão cedo, amor,
Tu só entendes o que vem dos meus carinhos,
A vida é rosa sem tamanho e sem espinhos
E até teus sonhos achas que podes tocar.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Os dias terminam pela manhã

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O café amargo na chaleira quente
Espalha o odor da tua saída crua
E tua solidez em minha cama nua
Iludiu-se ao olhar meu que mente.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Estação 174

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      Desde que a vi pela primeira vez, não houve um dia sequer em que não passei em frente àquela estação de trem. Ainda não sei o que de fato me prendia ali, mas o meu fôlego se esvaia sempre que enxergava os seus muros altos, brancos e iluminados, a sua calçada suja e amarrotada pelos tantos pés que ali já pisaram, o seu letreiro já desgastado, mas que mantinha a mesma imponência de tempos passados. Tudo fazia com que me sentisse parte daquilo de alguma forma, e eu sabia, que em algum momento, eu descobriria o porquê, mas naquele instante, a Estação 174 era somente uma estação de trem.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O mito do amor

Tantos foram os gestos, suaves pequenos,
Tantos foram os risos, abertos marcantes,
Tantas foram em dores, sedutores venenos,
Tantas foram em prazeres, insanas amantes.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Tê e eu

Tive em meu torso teu peito e contive
A tentação que tanto me deixava aflito.
Tresloucado ocultei a ternura e mantive
Este tesão em mim totalmente inaudito.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Efeito Molinete – Parte III

     
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     Uma vertigem descomunal tomou conta de seu corpo. Uma aflição sem fim tomou conta de seu espírito. Acabara de receber a notícia de que Bruna estava à caminho do hospital, amparada por um homem cuja identidade não foi revelada nem questionada no instante por Márcio. A partir dali, nada afligia mais a sua cabeça do que a imagem da possível morte de sua esposa e seu filho. Além do fato de que toda a culpa do incidente pesava a sua cabeça, que tonta, não sabia como reagir àquela situação. Olhou para o copo ainda cheio, respirou fundo, procurou as chaves do carro, deixou uma nota de cinquenta reais, e um pouco cambaleante, deixou o bar para atravessar a cidade, rumo ao lugar onde Bruna estava.