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Aviso

O autor adverte que o conteúdo dos textos a seguir pode ser de origem real, imaginária ou onírica. Logo, em se tratando de semelhanças com o cotidiano, os mesmos podem distorcê-lo em intensidade e veracidade dos fatos.

sábado, 4 de maio de 2013

Nossas pernoites – Parte I

      A claridade que vinha das luzes que se espalhavam pelas paredes e pelo teto da recepção daquele hotel era inebriante. O chão de mármore branco, exageradamente limpo e opaco, cegava-se com a imponência das lâmpadas amareladas, tão imponentes e autoritárias. Não havia ali um lugar sequer que se banhasse da escuridão ou se isolasse no recanto das pequenas sombras. Parecia que a placidez daquele espaço deveria ser mantida a qualquer custo e que qualquer movimento mais arrojado causaria descontentamento geral. Os hóspedes que ali permaneciam, tinham sorrisos amargados, gestos mal articulados, olhares mal intencionados e vozes roucas e sem efeito. O balcão arrendondado, com tons mais austeros e uma iluminação mais branda, resguardava funcionários com faces retraídas e expressões extremamente frias, destruindo o pouco acalanto que ali existia. E em meio a todo esse ambiente nauseante, na única poltrona vermelha daquele imenso salão, bem perto do abajour quadrado, distraído e reflexivo, eu me encontrava irriquieto, de pernas cruzadas e com um jornal na mão. Aquele pedaço de papel velho guardava notícias que eu nunca li, de um dia que eu não soube, de uma semana que eu nunca vivi.
      Eu já não me reconhecia ao olhar o espelho. Quem era o homem que ele refletia? Abatido, magro e com a barba por fazer, a imagem se articulava e mimetizava todos os meus movimentos. Até a mão que deslizava sobre os cabelos e depois sobre o rosto tinha a mesma rigidez. O respirar desregulado que inflava os meus pulmões também entrava numa mesma escala de tempo na figura que me olhava. Eu pensava se ele estava tão desesperado quanto eu em relação a tua vinda. Passei noites em claro imaginando a tua chegada, ou até se chegarias. Com que pé pisarias primeiro no tapete do hotel, com que roupa estaria, como seria a tua mala, o teu jeito de andar, o teu sorriso, a tua voz, o teu abraço, o teu beijo. Como seríamos nós dois juntos, finalmente. E principalmente, como lidaríamos com o fim já tão próximo.
      Os três dias que ficarias aqui atormentavam o meu sossego. Poder contá-los nos dedos de uma única mão era uma informação que eu preferiria não saber. Essa mesma mão que sentiria os teus cabelos longos, o teu rosto macio e todo o resto do teu corpo, seria a mesma que te abraçaria forte e te diria adeus, que enxugaria o meu choro e que me bateria por ser tão tolo por amar alguém tão impossível assim. Eu tentava aliviar a pressão do calendário e tentar enxergar com otimismo as horas que ficarias comigo, só comigo, mas era em vão. Em pouco tempo eu já me pegava devaneando em pensamentos tolos, em motivos poucos pra ver que tudo daria certo no fim.
      E foi naquela poltrona vermelha, ao lado do abajour quadrado, com o jornal já caído sobre o chão, que, alheio ao resto do mundo, ouvi a sua voz pela primeira vez. Parada a alguns centrímetros de mim, você retirou os óculos escuros de aviador e moveu os dedos nos cabelos dourados desde a testa até a nuca e me olhou com os seus olhos azuis mansos e serenos um olhar cândido. Coloquei-me de pé lentamente, ainda não acreditando na proximidade em que você se encontrava. Esvaziei inconscientemente todas as minhas preocupações e por descuido, talvez, tenha apagado até o que queria te dizer. No desespero ou no extremo desejo, fugi dos meus preceitos e, com as pernas cambaleando, andei alguns passos e peguei uma das tuas mãos. Beijei-a e senti o cheiro do teu perfume doce. Olhei nos teus olhos, já marejados, no teu sorriso, todo encantado, e beijei a tua outra mão. E num gesto suave, acariciei o teu rosto com cuidado e te fiz até fechar os olhos por alguns instantes. Não acreditando no que estava acontecendo, quis tirar a prova da realidade fazendo o que há pouco eu achava impossível. Fui em direção a tua boca e te beijei.
      Imediatamente, no entrelaçar dos nossos lábios, eu soube que tinha encontrado a mulher da minha vida. E imediatamente, logo após descobrir isso, pude ouvir o tique-taque do relógio me avisando segundo a segundo “três, dias, três, dias, três, dias, três, dias…”.

Caio Sereno.

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