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O autor adverte que o conteúdo dos textos a seguir pode ser de origem real, imaginária ou onírica. Logo, em se tratando de semelhanças com o cotidiano, os mesmos podem distorcê-lo em intensidade e veracidade dos fatos.

quinta-feira, 3 de março de 2011

"Mulheres bem-comportadas não fazem história"

 (Texto elaborado para o concurso Construindo a Igualdade de Gênero, do Programa Mulher e Ciência).
  
       É normal ouvir a todo dia e a todo tempo nas escolas, nas ruas, nas casas e porque não nas mesas de bar, sobre o histórico das requisições femininas, nos diversos âmbitos da sociedade, levando em conta todos os seus processos de transição. Porém, não se sabe ao certo o porquê de tamanha discriminação com este segmento que tanto contribuiu para a humanidade nos seus grandes feitos. E se ao menos se sabe alguma coisa, percebe-se a não profundidade no tratamento destes fatos, resultando em julgamentos ausentes de conhecimentos, regados de preconceitos. Ou seja, temo-los, sabemo-los e “inconscientemente” esquecemo-los. Cria-se na mente dos seres que adentram a este mundo um pensamento antigo, que se enraíza. E visto a evolução do ser humano, na posse de seus direitos, não importando seu gênero, cor, raça e condição social, esta forma de pensar torna-se cada vez mais nobre de ser abolida. Entretanto, há de se levar em conta principalmente, de antemão, a vontade feminina e sua mobilização em larga escala, pois do céu só verão cair água. E olha que a água está começando a ficar escassa. E o preconceito, pelo contrário...
       Se na civilização egípcia da antiguidade oriental vemos a mulher com papel de destaque no processo e convívio social de seu povo, ocupando altos patamares políticos, religioso e com uma relativa igualdade perante o homem, vide as rainhas egípcias Nefertiti e Cleópatra avançando em eras, diante a Idade Média, enxergamo-la em sua mísera condição de ser, devastada pelas injustiças acometidas por filósofos, teólogos e sábios em geral, que a condenavam como inferiores, frágeis, poucas dotadas intelectualmente. Eram classificadas em categorias horrendas, podendo ser prostitutas, bruxas ou santas, tendo a última uma relação com a Virgem Maria, utilizada como modelo. Nem mesmo as rainhas escapavam de tais sentenças, sendo sempre execradas por estarem ocupando o cargo destinado ao homem, rei. E envolvidos nesse pacote de ofensas àquelas que os puseram no mundo, grandes nomes da história “se destacam” como Rousseau, Kant, Nietzsche e Proudhon. Inúmeras caracterizações lhes eram feitas. E algumas podem ser citadas como: estátua viva da burrice, verdadeiras selvagens, propriedade do homem, moralmente fraca, inteligência curta, objeto de recreação do homem, guerreiro, aquela que faz o coração do homem pulsar.
       E saindo dessa perspectiva teocentrista, na transição Feudalismo-Capitalismo, debatemo-nos com o início da Era Moderna, que de moderna pouco tinha levado em conta o antigo e já citado preconceito de gênero. No Renascimento, com o antropocentrismo, põem-se o universo em favor do homem, fazendo com que todas as coisas sejam analisadas com foco para o ser humano, supervalorizando claro a figura masculina, aquele capaz de mover a sociedade rumo á prosperidade intelectual e moral. E mesmo a Revolução Francesa com seu lema “liberdade, igualdade, fraternidade” e a Revolução Industrial, com o seu liberalismo capitalista burguês, foram incapazes de pôr na prática o que na teoria parecia ser o paraíso na Terra de todas as classes oprimidas.
       E é no mínimo estranha essa igualdade que se estabelece entre os termos “ser humano” e “homem”. Dizem-se essas duas palavras e não se percebe os respingos de preconceito encrostados aí. Ao homem, associa-se a imagem de corajoso, determinado, dotado de vigor sexual, força moral e física, um explorador do conhecimento. Contudo, nunca sê-lo associa à imagem da mulher. Para isso, tem-se outra palavra – marido. E esse machismo na língua, esse afastamento entre os gêneros, é localizado igualmente na generalização do uso do plural, onde o masculino e o singular caracterizam-se pela ausência de marcas do feminino. Sendo assim, são marcados pelo morfema gramatical zero, e no plural, permanece o gênero masculino. Por exemplo, quando se tem junto, em um mesmo grupo, coisas ou indivíduos de diferentes gêneros, como um casal heterossexual, denominamo-los como indivíduos, seres humanos, cidadãos, sempre utilizando o masculino como base.
       E essas minúcias são contribuídas igualmente por acasos da vida, sobretudo na genética. Charles Darwin, autor da Teoria da Evolução das Espécies (1872), elabora sua tese afirmando que no mundo dos seres vivos, a tendência é a permanência dos mais fortes e aptos, dotados de sobreviver às diversas atrocidades e imposições que a condição da vida nos impõe. Portanto, os fracos extinguirão, e só sobrarão os mais fortes. Então, se hoje, no cume da evolução dos seres vivos, vemos o ser humano, ou seja, o homem e a mulher, porque ainda se insiste na inferioridade da segunda, se hoje em dia vemos cada vez mais mulheres assumindo o “cargo” de chefe da família? São cerca de 80% de mulheres que assumiram sua independência, trabalham, exercitam-se, cuidam da casa, dos filhos e mesmo assim ainda conseguem esboçar um sorriso, cansadas, ao fim do dia, por saberem que toda sua luta será recompensada. E ainda assim os homens gabam-se por decidirem no sexo de seus filhos, visto que as mulheres só possuem o gene “X”, eles, por possuírem o gene “Y” serão os que destinarão o produto final nessa fábrica da vida. Mas o que a grande maioria esquece é seu papel de criador, formador de indivíduo. Procriar não é o bastante. Há de se indicar o melhor caminho, mostrar todas as opções e seus riscos. E casualmente, entrega-se toda essa responsabilidade para a mãe. Não é a toa que vemos milhares de mães solteiras por esse mundo afora.
       Logo, se todo indivíduo, homem ou mulher, é dotado de liberdade e pode usá-la para escolher o que é melhor para si, que a escolha seja a melhor escolha. A estagnação diante uma situação que apresente diferentes caminhos não é e nunca será a melhor das escolhas. Até porque, ao decidir-se ficar a par dos acontecimentos já pode ser considerado como escolha. Jean Paul Sartre, filósofo francês, defendia o indivíduo concreto, ativo, que toma rumos para a sua vida, dependendo, claro, das circunstâncias. Então, partindo deste pensamento, pode-se pensar que a mulher, defronte todas as injustiças que lhes foram cometidas, tem de ser menos comportadas para revolucionar a realidade vigente de suas épocas. Que criem seus projetos de vida, que engajem toda a população a essa causa mais nobre, que deixem de lado a angústia de seus corações oprimidos e que fossem às ruas, que se mobilizassem. E felizmente muitas mulheres levantaram-se em prol de sua real independência em todas as esferas sociais. Não há como não citar Anita Garibaldi, na Revolução Farroupilha, Betty Friedam, no movimento feminista, Cleópatra, rainha do Egito, Lady Di, primeira esposa do príncipe Charles, Elizabeth I, rainha britânica, Joana D’arc, heroína francesa na Guerra dos Cem Anos, Madre Tereza de Calcutá, missionária da Igreja Católica albanesa, Maria Bonita, heroína do cangaço, enfim, é uma listagem que não acaba mais.
       Em outras palavras, quando houve um sentimento reformista, de mudança, onde a mulher passa a ocupar a liderança, em busca de seus direitos que deveriam ser deveres do Estado, elas atingem seu objetivo. No Brasil, o sufrágio feminino foi alcançado no Código Eleitoral de 1932 e instituído na Constituição de 1934, que já garantia a suposta igualdade plena. Na esfera econômica, cada vez mais as mulheres, agora consideradas mais inteligentes que os homens, assumem altos cargos em diversos setores sociais. Mas como nem tudo são flores nessa vida de invernos, a cidadania real, substantiva, perdura sobre a formal, garantida por lei. Isso significa que o Estado enquanto instituição social que deve tentar conciliar o desejo de todos na medida do possível, não garante a total similitude entre os indivíduos de sua sociedade. Assim, negros, brancos, idosos, crianças, deficientes, homens, mulheres, ricos, pobres, todos são na verdade tratados de maneiras distintas, aos olhos de os quem vê, julga, e trazendo para o primeiro plano o caso feminino, remunera, visto que é sabido que as mulheres ganham menos em seus postos de trabalho em relação aos homens, ainda que realizem as mesmas atividades, com o mesmo conhecimento, no mesmo período de tempo.
       Por conseguinte, compreendemos que, mesmo que refreadas, caladas, milhares de mulheres na história deste planeta já gritaram por seus direitos e fizeram valer a sua breve e valorosa estadia na Terra. Que elas sirvam de inspiração para uma mobilização maior por parte da geração atual, que conformada e alienada, não clama por tudo aquilo que lhes é tirado a todo tempo de suas existências, reduzindo-se à tirania machista vigente desde que o mundo é mundo. Que quebrem as paredes, que destruam as mesas, que arremessem as cadeiras. Que mostrem sua capacidade de enfrentar os obstáculos da vida tão bem e até melhor que os supostos superiores homens. Pois se sabe muito bem que o mundo é feito de gente. Gente como a gente. Gente comportada e gente não comportada. E que venham as visionárias, sedentas por conquistas. Até porque, nas palavras de Maria Shriver, primeira dama da Califórnia, “mulheres comportadas não fazem história”.

Caio Sereno.

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