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O autor adverte que o conteúdo dos textos a seguir pode ser de origem real, imaginária ou onírica. Logo, em se tratando de semelhanças com o cotidiano, os mesmos podem distorcê-lo em intensidade e veracidade dos fatos.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Efeito Molinete – Parte II

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      Era época de ano novo naquele ano velho, e nada de novo havia em sua rotina. Prosseguia uma trajetória sem significados maiores ou qualquer relevância extraordinária que seja, tudo se resumia na vã carnalidade. O dia de amanhã só teria sentido se fosse enrolado em lençóis amarrotados sobre a cama ainda quente de uma noite sem fim, inexplicavelmente abraçada pela luz que surgia aos poucos pela brecha da janela quase fechada.
      Sobre aquele cenário costumeiro fazia mil promessas a meio mundo, jurava amores eternos, sorria como um apaixonado, e após sumir no dia seguinte, desculpava-se com o maior dos tolos. E que tolo era de abandonar tantas mulheres fantásticas que passavam pele seus beijos, pelo seu corpo e às vezes até esbarravam em seu coração. Patrícia, a sadomasoquista, Gabriela, da pele morena, Luana, da dança-do-ventre, Alice, dos cabelos vermelhos, Fátima, a chocólatra, e por aí vai. Dizia que ainda se lembraria de todas amanhã, daqui a um mês ou se houvesse um reencontro, por acaso, em tempos distantes. Algumas desconfiavam, muitas desacreditavam e poucas levavam fé naquele crápula vestido de tentação. Mas não adiantava. O rapaz do ontem era sensível, sem deixar de ser direto e incisivo, era bonito, vestia-se bem e tinha dinheiro. O problema estava no rapaz do amanhã, esse sim não valia o chão que pisava.
      Esse personagem sobrevivia nas sombras da vida noturna. Sua família e boa parte dos amigos confiaria em cada palavra que ele dissesse, cada negação que ele proferisse. Entretanto, João permanecia ao seu lado há um tempo que já passava os dedos das mãos. Era o seu braço direito, seu ombro esquerdo, seu irmão de adoção. João fazia-se bobo, desviava a atenção que às surgia para ele e incentivava as garotas a falarem com Márcio. Ele tinha a esperança de que um dia ele fosse encontrar alguém, mas pareceu que esse dia nunca fosse acontecer. Até quando um dia se interessou por uma mulher, a qual já imaginava ter filhos, uma casa, uma família, por amor ao irmão, apresentou-a à ele. Mesmo assim, a felicidade de João era em boa parte pelo bem-estar do irmão, e assim havia de ser. E por mais incrível que pareça essa história teve um final diferente. Márcio começou a sair com Bruna. Márcio pediu Bruna em namoro. Bruna aceitou. Márcio e Bruna moraram juntos. Márcio pediu Bruna em casamento. Bruna aceitou. Bruna ficou grávida…
      E de súbito Márcio começou a regredir. Noites e noites fora de casa, sem dar satisfação, sem um beijo de adeus ou um cumprimento pela chegada. Nada. Bruna permanecia sozinha grande parte do tempo, preocupada e nervosa, sem saber como reagir às consequências da gravidez que demonstrava sinais de dificuldade. E numa noite, não tão diferente das outras, exceto pelo o que estaria por vir, Márcio vestiu o terno que ganhou de aniversário, pôs o perfume que ganhou de uma antiga amante, deixou duzentos reais embaixo do telefone na mesinha da sala e saiu fechando a porta com força. Nisso, as lágrimas de Bruna rolavam sobre a sua face trêmula, repleta de remorso e incapaz demonstrar raiva, tamanho era o seu cansaço. E as dores surgem. Surgem de forma extrema, crescente, agoniante e execrada. Antes que desmaiasse sobre o chão gelado da sala fria, Bruna conseguiu conseguiu completar uma ligação. A voz do outro lado, mediante o silêncio, gritava o seu nome, sem nenhuma resposta. E lentamente, como num sono profundo, já caída sobre o chão, os olhos de Bruna fecharam.

Caio Sereno.

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