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O autor adverte que o conteúdo dos textos a seguir pode ser de origem real, imaginária ou onírica. Logo, em se tratando de semelhanças com o cotidiano, os mesmos podem distorcê-lo em intensidade e veracidade dos fatos.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Efeito Molinete – Parte I

Janela Para o Céu
     
      Talvez fossem necessários dez homens para girar aquela chave ou era a sua fraqueza que lhe consumia, já que comera quase nada durante o dia inteiro. Fechou a porta e jogou a própria face naquela madeira cheirando a verniz novo e aos poucos foi soltando o ar do peito, como quem tenta tirar o peso que ali existia. Bateu então a testa naquela superfície rígida para não se esquecer daquilo que devia sentir, daquilo que lhe lembrava quem ele verdadeiramente era.
      Virou então para o lado de dentro do apartamento e percebeu o monopólio do silêncio em cada canto daquele lugar. Era possível ouvir o som de suas lágrimas colidindo com o chão macio, e se espalhando em todas as direções. Jogou o paletó no cabideiro, não percebendo que ele tinha caído. O que realmente o intrigava naquele momento era que tudo parecia ter ganhado vida, e ele sentia sufocado pela presença de todos aqueles cães-de-guarda vestidos de lã, algodão, marfim, tijolos e vidro. De repente ele se deparou com um mundo que não conhecia, que nunca planejou viver, e que o lembrava constante da sua profunda solidão. Encaminhou-se ao bar no canto da sala-de-estar, colocou gelo no copo empoeirado e completou metade dele com um uísque escocês que tinha ganhado de um amigo. Arrastou o corpo até a poltrona vermelha, aquela inclinada no canto do tapete, da mesma maneira que estava na revista, e que ainda guardava um perfume doce e extremamente marcante.
   Uma forte respiração tomou conta de si, na tentativa de expulsar todas aquelas lembranças que atormentavam as suas veias e faziam tremer todo o seu corpo. Quiçá elas saiam pela boca, lugar de onde tantas já nasceram. Mas a boca permanecia molhada e amargurada, assim como a paisagem que ele encarava pela janela. Ao mesmo tempo que ele enxergava a angústia profunda naquela natureza, ele também sentia desejo de fazer parte daquele terra úmida, daquele asfalto duro e sujo, daquele mundo calado, e por isso em paz. Ele levantou-se da poltrona já um pouco embriagado, derrubando um pouco de uísque no tapete. Olhou para si no espelho no canto direito da sala e viu o que restou dele depois de tudo aquilo. O cabelo bagunçado, a camisa amassada, os olhos vermelhos, a vontade de viver que já lhe faltava. Voltou-se àquela janela, e dando passos minúsculos, para dar tempo ao destino de lhe impedir de fazer aquilo, dirigiu-se ao parapeito, subiu, pôs-se em pé, e como em todo filme de tragédia americana abriu os braços num ato de abraçar a morte. E na iminência da queda, naquele instante em que o indivíduo se dá conta de que aquele caminho é a única via possível, a última via, uma voz arrastada pelo choro chama o seu nome.
    Ali, na porta, estática, assustada, ofegante, com machucados que iam dos braços aos dedos do pé, encontrava-se ela.

Caio Sereno.

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