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O autor adverte que o conteúdo dos textos a seguir pode ser de origem real, imaginária ou onírica. Logo, em se tratando de semelhanças com o cotidiano, os mesmos podem distorcê-lo em intensidade e veracidade dos fatos.

domingo, 1 de julho de 2012

Tua pipa


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      Lá do alto o vento batia forte em meu rosto, mas eu não me importava com a sua arrogância. Naqueles instantes em que eu flutuava sobre o céu anil eu me sentia dispersa no ar, corajosa em meus giros, confiante em minhas cores e serena por estar presa à tua mão. Teus gestos, tão suaves e amenos queriam sempre mostrar o meu melhor. Tu me colocavas em um pedestal e me expunha à todos os transeuntes “Olhem e percebam quão esbelta e formosa é a minha pipa!”. A minha alegria tocava o infinito quando me elogiavas assim. E eu podia ver em teus olhos, tão claros e desbotados pela luz do Sol, que eles brilhavam. E como brilhavam ao sorriso meu! Brincávamos dia após dia, sem cansar, sem que a tua mão se afrouxasse, que a nossa linha se cortasse, sem que o céu voltasse à sua triste monotonia.
      Mas o tempo é fugaz, feroz e impiedoso. Torna obsoleta a simplificidade de outrora. Até o paraíso de formas e tons tão deleitantes que povoavam o céu tiveram sua despedida. E numa névoa, dia este para repousar no canto do armário escuro, quieta, longe da tempestade e sua selvageria natural, tu carregaste-me nos teus braços e eu fui à vontade, contra a minha vontade, sem saber o que podia me acontecer. Não sei se presa ao chão vi foi teu pranto ou se eram apenas gotas de uma ventania qualquer. Sei que de longe, lá no alto, fui afagada pelos socos da chuva e rasgada pelos chutes do vento. Pouco a pouco fui me desfazendo, tentando manter a minha imponência e reluzir em meio a um ambiente tão sombrio.
      Não adiantou. Já não sentia a minha estrutura, nem mesmo estava convencida de que ainda era uma pipa. Já nem acreditava naquela realidade. Devia ser uma utopia. Tinha de ser uma utopia! Nunca que eu imaginaria esta tua crueldade, nunca, logo você, que sempre me colocou no topo do mundo. E a linha aos poucos ia se afrouxando. Lentamente eu ia deslizando das tuas mãos. Até o toque final.
      Do pouco que vi, enxerguei teus passos arrastados, afastando-se de mim. Deitada na areia, nos meus últimos segundos de vida, eu sorri. Eu não havia perdido a sanidade e muito menos a sede de viver. Pensei foi nos dias ensolarados, nos voos tão demorados, nas tantas cores que eu pude admirar. A vida me foi tão caridosa. Não seria justo partir de um jeito diferente. E fui-me. Carregada pelos ares, espalhada pelos oceanos, eu te deixei e fui fazer o que eu sempre amei fazer.
     Voar.

Caio Sereno.

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