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O autor adverte que o conteúdo dos textos a seguir pode ser de origem real, imaginária ou onírica. Logo, em se tratando de semelhanças com o cotidiano, os mesmos podem distorcê-lo em intensidade e veracidade dos fatos.

terça-feira, 26 de março de 2013

Dois cigarros, por favor


      O romance na cabeceira ganhava linhas trêmulas. Suas frases, antes tão bem definidas e demarcadas, moviam-se em velocidades imperceptíveis aos seus olhos. Letras deslizavam pelos cantos da folha, pontos escondiam-se atrás dos parágrafos, títulos esmoreciam e precipitavam em direção a um abismo desconhecido, e ao final, sobre o papel branco, encontrava-se somente a poeira que se desprendia do ventilador de teto velho. Nada mais. Era inútil tentar imergir naquela fantasia, fazer parte daquele universo paralelo que residia sobre as suas mãos. Seus pensamentos não vagavam por aquelas terras idealizadas e nem seus problemas se resumiam em saber o que aconteceria no próximo capítulo daquela história. A sua inquietude em nada transparecia a ansiedade de uma leitura qualquer. Ela levava tons de desespero e cheiro de agonia. Mesmo de longe, era possível enxergar a sua respiração ofegante e a desatenção constante para com tudo e para com todos ao seu redor, como se o presente tivesse ficado em segundo plano na sua vida. Tentava formular o seu futuro com atitudes loucas em situações extremas e via nelas a única solução para a sua consternação profunda. Subiria penhascos, conquistaria castelos e mataria dragões se fosse necessário. Tudo valeria a pena se tudo passasse a ser nada. Nada mais. Uma calmaria digna de uma página vazia de um livro aberto. Pronto para ser definido e saber da sua existência, e que contenha, no final, todas as respostas que ele sempre buscou no seu caminho. Enquanto isso não acontecia, procurou o bar mais próximo e pediu ao garçom no balcão com a sua voz rouca e falha:

– Dois cigarros, por favor.

      Fumou-os um seguido do outro, saboreando cada tragada forte e lentamente, admirando a fumaça longa que flutuava no ar. Ao menos, por alguns minutos, achou ser o homem mais tranquilo do mundo.

Caio Sereno.

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