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Aviso

O autor adverte que o conteúdo dos textos a seguir pode ser de origem real, imaginária ou onírica. Logo, em se tratando de semelhanças com o cotidiano, os mesmos podem distorcê-lo em intensidade e veracidade dos fatos.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Terra à vista

       Eu queria realmente saber o nome dela. Pelo menos o nome! Para que eu pudesse realmente chamá-la quando eu estivesse na cama já dormindo, sonhando que estamos numa praia afrodisíaca, curtindo a claridão do Sol, a brisa do mar, os drinks com pequenos guarda-chuvas na ponta e as cadeiras reclináveis. Se ao menos eu soubesse seu nome! Gaguejar quando sonho com ela já chega a ser algo inconveniente. Mas o pior mesmo é acordar. E pensar que te tive por alguns instantes, atemporais por assim dizer, mas que foram maravilhosos. Ai ai… Quem me dera ter a coragem de olhar em teus olhos fixamente, dirigir-te a palavra sem tremular as pernas, sem suar as mãos, sem atropelar as palavras. Seria uma tarefa impossível dizer um simples oi. Sempre foi.
       Às vezes meu corpo transita para um dimensão paralela quando estou a dobrar as roupas lá na loja. Vê-la quase todos os dias sentada naquele balcão, tomando um café, comendo uns biscoitinhos amanteigados, com os mesmos gestos, os mesmos horários que acabam causando os mesmos delírios. Já sei de cór e salteado o seu trajeto. Ela sempre vem pelo corredor da direita, que é onde ficam a loja de sapatos e a de jóias. Ela admira as vitrines, coça um pouco a nuca, verifica os preços de mais perto por ser míope e sai de fininho como quem se tortura por querer muito algo e não poder tê-lo. Eis então que ela continua a sua caminhada, claro, com um suspiro de arrependimento por estar em um shopping sem nenhuma sacola na mão e senta-se no banquinho amarelo. Banquinho esse que já deve estar acostumado com o seu jeito de posicionar-se nele, visto que ela sempre cruza as pernas. Para ser mais específico a direita fica por cima da esquerda. E os seus pés. Como poderia esquecer! O da direita sempre fica inquieto a balançar-se enquanto o esquerdo apoia-se no banco. Daí ela apoia o cotovelo no balcão e pede ao funcionário como quem faz charme por um favor sua combinação preferida. Café e biscoitinhos amanteigados.
       Mas o meu desespero transparece à flor da pele no momento em que ela os morde e olha em volta buscando destrair a visão com alguma situação interessante ou alguém conhecido. E uma coisa é certa. Quando ela vira o rosto para a direita, em minha direção, mesmo que não me olhe, eu rapidamente desvio do plano de seu olhar e evito assim uma possível troca de olhares, já que como podes ver não consigo tirar meus olhos de seu semblante suave e magnífico. Tenho recebido reclamações em relação à minha distração. Porém sabendo que ela é passageira logo eu faço as pazes com meu chefe e volto às atividades corriqueiras. E que tortura é trabalhar com roupas o dia todo quando nele se fica a pensar na mulher a que mais desejas deitada em seu corpo, dando-lhe o máximo de prazer que uma situação desta estirpe poderia prover. Mas como isso há de acontecer, se nem sei o seu nome?
       Só que um dia por pura coragem, valentia ou insanidade mesmo, aproveitei meu dia de folga e fiquei a observar obcecadamente na direção em que ela sempre aparecia. E as vibrações não poderiam estar melhores naquele dia. Ela completou o mesmo trajeto casual. Os preços, a nuca, o olhar de desejo, o respirar profundo, a cruzada de pernas, o cotovelo. Dessa vez a única diferença seria a minha presença desajeitada e desesperada diante a sua pessoa. E no momento exato, por impulsão ou força divina, não sei, quando ela ia com seu jeito charmoso de realizar o seu pedido eu a interrompi calando-a com o meu dedo indicador na borda de seus lábios e pedi ao funcionário do lugar: “Dois cafés e duas porções de biscoitos amanteigados, por favor.” Ela pasma encarou-me sem entender o que ocorria e sem explicações eu disse sorrindo estendendo-lhe minha mão: “Eu sou Paulo. E você?”. “Bárbara”, ela disse.
      E meus dias continuaram os mesmos. O mesmo uniforme, a mesma loja, as mesmas roupas. Mas a dela estranhamente mudou repentinamente. Agora ela vem pelo corredor da esquerda, avista a loja de esportes rapidamente, sem preocupações maiores e logo vem em direção à minha loja e fica a olhar as vitrines, e olhar, e olhar. Da seção masculina à feminina. Eu finjo que não vejo. Ela até desvia os olhares quando eu viro o rosto. Mal sabe ela o quanto é  bom estar do outro lado da situação. Ao menos ela sabe o meu nome.
       Bárbara, Bárbara…

Um comentário:

  1. Bem, vou começar dizendo que você tirou onda com a mesóclise quando comentou no meu blogue. Hahaha... Brincadeira. A cada novo post, eu vejo que você realmente se dá bem com essa coisa de ser um químico escritor ou um escritor químico, não sei. Acho que você prefere a primeira opção. Gostei bastante do texto.
    Beijo!

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