domingo, 14 de dezembro de 2014
Querido diário
Folheio as tuas páginas secas
E afasto a poeira com a ponta dos dedos
Por medo de te quebrar
Sigo o movimento das tuas folhas
Como ondas que crescem no cabeçalho
E morrem aos poucos no rodapé
Assim afogo o meu desabafo
Em meio a letras borradas e disformes
Que lutam pra se empalavrar
segunda-feira, 24 de março de 2014
É comum
É comum sonhar com um outro alguém
Que te seja mais que um bem
Que te faça ser algo que se quis
Ser enfim muito feliz
domingo, 9 de fevereiro de 2014
Mensagem
Sem deixar mensagem
E por qualquer bobagem
Esquecer tua imagem
Quando a saudade vem
domingo, 2 de fevereiro de 2014
Cada dia mais próxima
O teu perfume de chorume já preenche quase toda a minha inalação
Repousando meu peito extenuado
Já farto dos ares daqui
Sinto-me pronto para explorar o infinito do tempo
O sonho eterno de uma mente sem lembranças
As noites infindas de lua eclipsada
E tudo que o teu beijo podre pode me fornecer
É como se eu não pertencesse àqui
E cada passo parecesse estranho aos meus pés
Na certeza da existência de algo melhor
quinta-feira, 9 de janeiro de 2014
A cláusula do elevador
Luis Fernando Veríssimo
Quando chegaram à parte do contrato que trataria da fidelidade, ele ponderou que a cláusula deveria ter uma certa flexibilidade. Deveria prever circunstâncias aleatórias, heterodoxas e atenuantes. Em outras palavras, oportunidades imperdíveis. E exemplificou.
— Digamos que eu fique preso num elevador com a Luana Piovani. Depois de dez, quinze minutos, ela diz “Calor, né?”, e desabotoa a blusa. Mais dez minutos e ela tira toda a roupa. Mais cinco minutos e ela diz “Não adiantou”, e começa a desabotoar a minha blusa… O contrato deveria prever que, em casos assim, eu estaria automaticamente liberado dos seus termos restritivos.
Ela concordou em tese, mas argumentou que a licença pleiteada deveria ser específica, rechaçando a sugestão dele de que se referisse genericamente a “Luana Piovani ou similar”. Ficou decidido que ele estaria automaticamente liberado da obrigação contratual de ser fiel a ela no caso de ficar preso num elevador com a Patrícia Pillar, a Luma de Oliveira ou uma das duas (ou as duas) moças do “Tchan”, além da Luana Piovani, se o socorro demorasse mais de vinte minutos. Isto estabelecido, ela disse:
— No meu caso…
— Como, no seu caso?
— No caso de eu ficar presa num elevador com alguém.
— Quem, por exemplo?
— Sei lá. O Maurício Mattar. O Antônio Fagundes. O Odvan…
— O Odvan não!
Foi uma negociação longa e difícil, durante a qual ele vetou vários nomes, até ser obrigado a concordar com um, por absoluta falta de argumentos. Ela estaria liberada de ser fiel a ele se um dia ficasse presa no elevador com o Chico Buarque. Mas só com o Chico Buarque. E só se o socorro demorasse mais de uma hora!
sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
Vestida de preto
Lá vem ela vestida de preto
Num negro tão forte que não consigo definir os seus contornos
Dos pés à cabeça, a possibilidade de um imensurável
Tento perceber a leveza dos seus passos, com a inquietude de alguém prestes a ser esmagado
Porém você se faz inaudível
Nem a sua respiração demarca o teu caminho
É como se você nem estivesse ali
Mas eu sei que está
Revele-se
É somente esse o meu pedido
Deixe que eu perceba a fisionomia do teu rosto
Para que eu possa entrar no fundo dos teus olhos
E sorrir com os meus
Eu preciso de você
Da tua essência letal e indescritível
E que me trará paz, eu juro
O mesmo silêncio que você possui e sussurra em tantos ouvidos por aí
E que soará como música nos meus
Eu preciso de você
Prometo não voltar atrás
E ser fiel a você pela eternidade
Mesmo que você goste de contar as horas
E diga que cada segundo é crucial
Mas eu insisto, particularmente hoje, você está linda
Linda como jamais verei enfim.
Caio Sereno.